Quando um “causo” consegue acender todas as luzes vermelhas do Direito
O assunto é sempre polêmico – e ainda quando tem reviravolta, a internet vira “terra de ninguém”.
– É racismo?
– É mimimi?
– Existe crime?
– Acusação injusta merece penalização?
– Quem é vítima na história?
Para quem não soube do B.O., na quinta-feira (16 de janeiro), um vídeo publicado por uma curitibana e viralizou nas redes. O caso suposto: a mulher (que estava filmando) declarava-se indignada com a acusação de um senhor que teve a carteira furtada no interior do biarticulado e resolveu registrar a, até então, injustiça, alegando que a falsa suspeita se deu pela moça apontada como criminosa ser negra. O vídeo mostra que os policiais militares foram acionados, controlaram a situação no interior do veículo e, por indicação de uma passageira, encontraram a famigerada carteira com uma segunda moça, branca, flagrada na gravação.
O interessante é que, após o massacre na internet, a história teve uma reviravolta. A polícia recebeu uma denúncia, comprovada por meio de fotos, que as moças (a negra acusada e a branca flagrada) eram amigas. Há a suspeita dos investigadores que as duas saíam para “trabalhar”, isto é, cometer crimes em dupla dentro dos coletivos da cidade.
Diante dessa enorme confusão, o que pode ser analisado, do ponto de vista jurídico?
Primeiramente, vamos falar sobre o crime de racismo!
Apesar do que popularmente se diz sobre esse instituto, o crime de racismo raramente é aplicado na prática no Brasil. Como assim?
Pois é, o crime de racismo tem legislação própria, a Lei n.º 7.716/89 e ocorre em situações em que há uma ou várias ofensas praticadas por um autor que atinge(m) a coletividade. No caso, a vítima é um número indeterminado de pessoas, que são ofendidas por sua cor ou ‘raça’ – e o mesmo dispositivo por ser aplicado para etnia, religião e procedência nacional. É um crime com pena prevista de um a três anos, multa e leva o réu à reclusão, isto é, pode ficar preso e sem direito a pagar fiança.
No caso, o senhor não aparece ofendendo a coletividade negra, relacionando-a a criminalidade. O mesmo também não aparece falando sobre a própria moça negra, apontando sua cor como “potencial” a roubar a carteira. Acompanhando o vídeo como única prova, não temos como analisar o que foi dito previamente.
Porém, se isso ocorreu, se aplica outro instituto. O crime de injúria racial está no nosso Código Penal mesmo, no art. 140, parágrafo 3º e se diferencia do racismo. Na situação, o legislador se refere ao autor que se utiliza da ‘raça’, da cor, da etnia, da religião, para proferir as ofensas e ofender a dignidade da pessoa a ser atingida. A pena é bem mais branda, detenção de um a seis meses (em boa parte, o regime aberto) ou multa e é cabível a fiança.
Aí, na hipótese da moça negra ter mesmo furtado a carteira e repassado para a amiga branca, a injúria se justifica?
Mesmo assim, se o vídeo deixasse isso evidente, claro, haveria a possibilidade de se registrar.
Convenhamos, a situação toda foi controversa, estressante e terrível, não apenas para os envolvidos, mas para todos que estavam no ônibus e esperavam ter uma viagem tranquila para casa. Não vamos entrar nesse mérito, pois é trabalho que deixamos para a polícia, sobre intenções e reais crimes praticados. Porém, reflexões podem e devem ser feitas!
A Lei (e a aplicação dela) é suficientemente eficaz, para que a população negra se sinta segura e protegida em seus direitos e não julgada por sua cor?
O direito de imagem, de todas as reputações afetadas, não está amplamente comprometido em tempos de redes sociais capazes de viralizar e eternizar equívocos?
Que valores queremos transmitir para a nossa sociedade? Será que os princípios mais basilares estão em conflito, como dignidade humana e a presunção de inocência?
Quem souber das respostas, que nos conte. Ou aceitamos em forma de comentário!