Uma audiência pública promovida na Câmara Municipal de Curitiba (CMC), na última terça-feira (5), provocou forte reação de parlamentares devido à distribuição de um folder com orientações sobre a estratégia de redução de danos voltada a usuários de drogas. Na sessão plenária desta quarta-feira (6), dez vereadores se manifestaram em plenário para criticar o conteúdo do material, que, segundo eles, faz apologia ao uso de entorpecentes.
A audiência foi uma iniciativa do mandato da vereadora Professora Angela (PSOL), que rebateu as críticas e defendeu a necessidade de uma nova abordagem sobre a política de drogas, “que não seja apenas um assunto de polícia, mas sim de saúde, direito, liberdade e autonomia” (leia aqui o posicionamento da parlamentar).
O vereador Da Costa (União) relatou ter sido avisado por sua assessoria de que, na audiência pública em questão, havia uma mesa com vários panfletos que “faziam apologia ao uso de drogas”, o que o levou a ir até o local e a gravar um vídeo para expor a situação, que considerou um “crime, gravíssimo e deplorável”. O parlamentar lembrou que a audiência pública foi sim aprovada pelo plenário – o que é feito com a votação de um requerimento escrito -, mas acusou Professora Angela de ter feito isso de forma “mascarada”.
Referindo-se ao folder distribuído no evento, o vereador disse que havia referências a vários tipos de drogas, que, na sua avaliação, incentivariam as pessoas a ingressar no mundo das drogas. “Eu entendo que, se você quer reduzir o dano que a droga causa na pessoa, você vai incentivando ela a deixar de usar a droga, e não a usar”, opinou Da Costa sobre o conceito da estratégia de redução de danos. Ele fez a leitura de um trecho do material: “inclusive onde fala sobre o LSD, ‘conheça a substância e inicie em pequenas quantidades’, se isso aqui não é incentivar o consumo, então eu não sei mais o que é apologia ao uso de drogas”.
Na sequência, o parlamentar narrou várias ocorrências que atendeu, enquanto era policial militar, que envolviam usuários de drogas. Em uma delas, contou, teve que fazer massagem cardíaca em uma pessoa, durante 40 minutos, porque “o cidadão estava com o nariz entupido de cocaína”. “Eu poderia passar a manhã inteira aqui falando sobre o que a droga faz na vida das pessoas. É deprimente ver um usuário de crack. E ontem aqui não achem que tinha usuário de crack não, tinha um monte de playboys que não têm ideia do que é isso aqui”, disse, referindo-se novamente ao material.
O parlamentar declarou que, “diante da gravidade da situação”, ingressou com um pedido de cassação da vereadora e enviou ofício também ao Ministério Público do Paraná “noticiando esse crime”.
A vereadora Delegada Tathiana Guzella (União) classificou o episódio como “crime ocorrido dentro da Casa” e criticou o conteúdo do folder, que “diz como usar da melhor forma, para um melhor aproveitamento, o LSD, o crack, cogumelos”. A vereadora questionou se a autora do material repassaria essas informações a seus próprios filhos e alertou que “o Brasil é consignatário de diversos tratados internacionais e assumiu, através dos seus governantes, atual e anteriores, o compromisso de jamais liberar a comercialização da droga”.
Outro a criticar o conteúdo do material foi Sidnei Toaldo (PRD), que revelou estar “surpreso e indignado”. O vereador, que preside a Comissão de Saúde e Bem-Estar Social, relatou ter recebido muitas mensagens de cidadãos chocados com a situação e contou casos vivenciados por sua filha, que é psicóloga, com famílias destruídas pelas drogas. Toaldo acredita que o material não representa Curitiba nem o trabalho da Câmara e lamenta que sua divulgação possa “proliferar ainda mais um problema de saúde pública”, o qual ele tem trabalhado para minimizar.
Carlise Kwiatkowski (PL) reafirmou sua posição contrária à legalização das drogas e lamentou profundamente o episódio. Ela disse que as drogas “destroem famílias” e que o conteúdo distribuído envergonha o Legislativo municipal. Da mesma maneira, se manifestou Fernando Klinger (PL), que revelou indignação com o teor do material. “Você precisa se colocar no lugar do outro, daquele pai, daquela mãe que tem que se trancar lá no quarto para poder dormir à noite. Isso é falta de senso, de responsabilidade perante uma doença, uma crise que está por todo mundo”, completou Klinger.
A reprovação também veio de Meri Martins (Republicanos), que criticou o material distribuído e disse que a Câmara deve atuar para combater o uso de drogas. A vereadora reforçou o impacto negativo das drogas nas famílias e defendeu ações de apoio a dependentes químicos. Na mesma linha, Rafaela Lupion (PSD) defendeu o trabalho social para a redução do consumo de drogas, que lembrou ser um problema mundial, e falou do compromisso da gestão Eduardo Pimentel para reerguer a vida de quem teve contato com drogas ilícitas.
“Vamos pautar o fim da Marcha da Maconha em Curitiba”, sugeriu Bruno Secco (PMB) ao presidente da Casa. No entender do vereador, a audiência pública configurou “clara apologia às drogas” e ele defendeu uma resposta firme ao “escândalo” ocorrido.
Eder Borges (PL), defendeu que a Câmara seja o principal espaço de debates da cidade, mas criticou a audiência por ter extrapolado os limites. “Redução de danos é você tirar a pessoa da droga, é fazer com que a pessoa se liberte dessa desgraça que é a droga, e não fazer o contrário, que é banalizar o uso do crack”, resumiu, ao pontuar que o uso desta droga tem alto impacto junto à população de rua, o que é, para ele, um dos principais problemas da cidade. “Foi extremamente grave o que aconteceu ontem, e a população de de Curitiba merece uma resposta”.
“A nossa luta deve ser pela vida e pelo incentivo a práticas saudáveis, como o esporte”, declarou João da 5 Irmãos (MDB), que também reprovou o teor do conteúdo entregue durante a audiência e declarou apoio ao bloco de vereadores que repudiou o material.
Esclarecimentos institucionais
O presidente da Câmara, vereador Tico Kuzma (PSD), explicou que audiências públicas são mecanismos legítimos de participação popular e são aprovadas em plenário com base em requerimentos. No entanto, ressaltou que a Casa “não compactua com qualquer tipo de excesso, distorção ou eventual desvio de conduta que possa configurar apologia ao uso de drogas”. Kuzma destacou a vigência da Lei Municipal nº 15.287/2018, de sua autoria, que estabelece sanções administrativas a quem estimular o consumo de entorpecentes em espaços públicos.
Já o líder do Governo, vereador Serginho do Posto (PSD), reiterou que a Prefeitura de Curitiba não participou da audiência pública, nem financiou ou teve servidores envolvidos. “O Executivo não teve qualquer ligação com o evento”, afirmou, diante das repercussões nas redes sociais que citaram o prefeito e o vice-prefeito.